UMA FOTO, UMA LEITURA
Fotografia: António Tedim (http://antoniotedim.blogspot.com)
Texto: Rui Santos (http://cognitare.blogspot.com)
É neste carreiro coberto por esta terra enlameada, rodeada de uma pureza agreste que deambulamos sempre com o mesmo rumo. A rotina repete-se vezes sem conta, e em todas as vezes que passeio por cima desta manta húmida, deste livro que carregamos todos os dias, vazios de letras, mas cheio de sentimentos, histórias e recordações que se perdem na memória de quem as vive. É neste caminho que me reencontro todos os dias, que olho em redor e vejo uma vida a correr, tal com neste preciso momento, olho para trás, e tento reviver todos esses momentos que não ficaram escritos para memória futura, e é a pensar em como esse livro se escreveria que tento sorrir
(que lindo sorriso, como só os sorrisos genuínos conseguem ser…)
em busca de uma ajuda para organizar algumas dessas lembranças, independentemente se serem mais felizes ou menos felizes, procuro apenas não me esquecer delas, e começar a preencher essas páginas brancas da minha memória.
Quando piso esta terra, parece-me sempre que é a primeira vez, passada atrás de passada tento acompanhar o ritmo de quem me guia. Outrora os passeios eram mais céleres, havia uma cadência mais ritmada, que nos obrigava a acertar o passo e procurar apreciar rapidamente cada paragem com um prazer único, daqueles que só se consegue sentir quando não se sabe quando será o próximo. Hoje os passeios são ritmados com mais paciência, as paragens são mais demoradas, há tempo para a pastagem e para apreciar em redor as pequenas pérolas que este espaço esquecido no tempo nos oferece. Olhamos à nossa volta e vemos a paisagem virgem e despida da natureza que se renova a cada ano. Num canto vemos os arbustos vazios das folhas que comemos, noutro lado as árvores cheias de ramos desnudados, mas grossos e robustos, esperando, tal como nós, que após a passagem deste frio que se sente a entrar pela nossa alma, frondesça o calor que nos aquece e preenche por mais umas estações.
Continuo o meu caminho e penso na beleza que há neste vazio, nesta ausência de vida acelerada, e sempre que penso mais profundamente sobre isso, deixo-me levar pelo vagar, pelo direito que adquiri em parar sempre que me apetece, e olho, aprecio aquele fundo que se perde na curva dos montes, aquela paisagem que já não foco como antigamente, mas sinto-a como se a estivesse a ver pela primeira vez. Com esta capa pesada, e suja deste pó que se acumulou ao longo dos anos, dou o mote para seguirmos o trajeto, mas os animais já não têm pressa. Já não sei quem guia quem, só sei que vamos pelo mesmo caminho, eles é decidem o ritmo, andam cada vez mais devagar e mais junto de mim, como se percebessem o que me vai na alma, e numa osmose de sentimentos e vontades, olham-me nos olhos, chegam cada vez mais perto de mim, e com meiguice começam a lamber-me a capa, formando uma espécie de símbolos rupestres, tornando esta capa suja num livro que conta as histórias da vida num carreiro.
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