As portas
do bosque abriam-se por entre duas enormes árvores que ladeavam o arvoredo
verde vivo e fresco que pintava aquele cenário idílico onde o som do silêncio
reinava. As árvores eram enormes, delas emanavam troncos largos e escuros, que
se ramificavam até bem alto, sempre cobertos por umas folhas nunca antes vistas
– além de terem uma forma que abraçavam os espaços vazios entre os ramos, eram
coloridas com um verde singular, daquelas cores que parecem terem sido testadas
várias vezes numa palete, até atingirem o ponto da perfeição.
Deparado
frente à imponência daquela imagem, olhei em volta e não consegui vislumbrar
viva alma a quem perguntar onde estava. Ali estava eu, sozinho, entre as duas
árvores que se destacavam das restantes, quer pela sua imponência, quer pelo
facto de formarem uma espécie de porta de entrada, daquelas que vemos nos
antigos castelos. Os seus diâmetros deveriam ter mais de um metro, em altura
não consigo sequer alvitrar um número, apenas sou capaz de dizer que as
árvores, embora imponentes, tinham um aspeto vívido e de grande leveza, que convidavam
singelamente a passar pelo meio delas. Lentamente aproximei-me, pisando as
folhas húmidas, ligeiramente almofadadas, que cobriam o chão, traçando um
caminho como um tapete que nos conduzia, ora cobertas por um
castanho-avermelhado, ora cobertas por folhas verdes acabadas de cair. Fui
entrando, percorrendo lentamente o traçado que me conduzia, sempre com um olhar
para trás à procura da entrada que ia perdendo tranquilamente de vista. Não andei
muitos metros para perceber que não estava num bosque qualquer, tudo nele era
diferente, nem sequer consigo afirmar que se tratava de um bosque, apenas posso
afirmar que aquele lugar estava rodeado de árvores com folhas especiais, uma
terra escura e acolhedoramente húmida, e que estava envolto por um silêncio simpático
e reconfortante que me purificava a cada passada, de tal forma que quando me
lembrei de olhar para trás, para ver a entrada, apenas consegui descortinar um
manto verde no seu lugar.
Continuei
a minha caminhada pelo trilho que me dirigia, sempre pautado por um ansiado
aumento de uma paz interior, percorria o caminho na esperança de ver viva-alma,
na procura incessante de encontrar alguém no meio daquele lugar que se
caracterizava cada vez mais como um lugar especial, onde só havia lugar para o
bem-estar, para o conforto e tranquilidade. Não consigo precisar quantos
minutos andei por entre aquele ar puro exalado pelas árvores, mas foi durante
algum tempo, já nem conseguia vislumbrar o início da caminhada, até que cheguei
a um ponto onde se cruzavam vários trilhos, podia escolher vários caminhos para
continuar, todos eles eram idênticos, uns à direita, outros à esquerda, mas
todos eles tinham o mesmo aspeto, as mesmas árvores, o mesmo chão, não havia
nada que me pudesse fazer escolher entre os caminhos que se defrontavam diante
de mim. Decidi seguir em frente, e à medida que me adiantava no caminho perdia
de vista os caminhos laterais, a densidade das árvores cobriam qualquer
possibilidade de espreitar como teria sido a opção por qualquer uma das outras vias.
Andei calmamente, e sempre tranquilo, não obstante estar num local desconhecido
e sem saber como regressar, caminhei compassadamente, não havia lugar para o
cansaço tamanha era a beleza daquele lugar. Continuei, cada vez que dava uma
passada crescia em mim uma tranquilidade como se pertencesse àquele lugar desde
sempre. A meio do caminho consegui ver uma pequena abertura lateral, uma
espécie de ramificação do itinerário principal. Espreitei e afastei os ramos
que frondesciam desde o chão, e constatei que era uma passagem para um carreiro
secundário. Decidi-me continuar no caminho principal, havia algo que me chamava
a continuar o meu trajeto inicial. Sempre fascinado por tudo que me rodeava, ia
paulatinamente deixando para trás todos os meus receios e tudo aquilo que me
preocupava, aquela jornada estava a transformar-se numa catarse das minhas
inquietações e de tudo aquilo que me pesava da alma. Passei novamente por
veredas secundárias, ora apareciam à esquerda, como à direita, e em todas elas
senti a mesma necessidade de continuar a caminhar pelo aquele chão que acolhia
as minhas passadas com a delicadeza de quem nos afaga. Continuo sem conseguir
precisar o tempo que passou, ou a distância que passou, mas foi depois de
várias oportunidades de me desviar do caminho principal que me defrontei com
uma brecha para um carreio secundário que me atraiu a atenção.
Comecei
por afastar os ramos que frondesciam, era um caminho ligeiramente diferente dos
anteriores, os ramos estavam a começar a crescer, o chão pareciam
imaculadamente puro e por estrear, as árvores não me pareciam tão altas, mas
tudo o resto era igual, apenas ficava a sensação que, embora a semelhança, tudo
estava no início. Aventurei-me e comecei a percorrer aquele trilho, e à medida
que o explorava, sentia que aquele lugar me pertencia, que havia sido desenhado
para mim, tudo nele me preenchia e me realizava. No final da primeira passagem
do atalho vislumbrei uma escada natural que me direcionava para uma casa de
madeira, uma espécie de bungalow com um alpendre frontal. Aproximei-me e
verifiquei que era mesmo uma casa, estava desocupada, mas pronta a habitar. Do
seu interior conseguia-se ouvir uma melodia, não era nenhuma sinfonia, ou
concerto, isso consegui descortinar, era apenas um som que proliferando pelas
janelas um tom uníssono, natural e calmo, harmonizava aquele lugar. Havia luz, de
fora não me parecia que fosse luz elétrica, a aluminação era quente e
titubeante, transmitindo um cenário acolhedor. Quando cheguei mais perto
consegui confirmar que a casa estava desocupada. Decidi bater, e na ausência de
não ouvir qualquer resposta, decidi entrar. O interior era como eu imaginava,
uma casa de madeira, simples, apenas com o que era essencial, cadeiras, uma
mesa, uma lareira, um cadeirão, uma cama e algumas velas que combatiam a
escuridão. Numa primeira impressão não descortinei mais nada e tudo me parecia
magnífico. A casa era pequena, mas suficientemente para as minhas necessidades.
Já sentia a casa como minha, dei por mim a sentir que tinha sido preparada para
a minha chegada, até que me passou pela cabeça que podia estar preparada para
outra pessoa, pelo que, decidi voltar a sair e procurar por alguém. Quando saí da
porta principal, fiquei paralisado... tudo estava diferente.
Para
começar, o alpendre frontal estava preenchido com dois cadeirões, com umas
mantas nas suas costas, que baloiçavam ao sabor do vento. A paisagem que
rodeava a casa deixou de estar pintada de arbustos daquele verde singular e de
árvores enormes. A casa encontrava-se agora alteada no cimo de um monte, e do
alpendre vislumbrava-se uma vista celestial, finalizada lá no final da ravina com
um enorme lago azul. Ainda sem conseguir processar a informação que os meus
olhos viam, olhei em volta e a surpresa aumentava... havia outras casas iguais,
todas elas eram exatamente iguais, eram imensas, todas elas situadas no cimo de
um monte com vista para o lago azul que nos enchia a vista pelo horizonte fora.
Nesse momento, tive a certeza de que aquele caminho que trilhei até aquela casa
estava-me destinado e aquela casa foi preparada para mim.
No fundo
da ravina verifiquei movimento, havia quem passeasse à beira do lago, outros
estavam sentados na relva macia e fresca que coloria a ravina, outros olhavam o
horizonte, e em todos eles podia-se vislumbrar uma tranquilidade serena de quem
estava num lugar especial. Comecei a descer a ravina procurando fazê-lo na
diagonal de modo a verificar se estava alguém na casa ao meu lado direito.
Espreitei e verifiquei que era exatamente igual àquela que eu considerava
minha, no alpendre estavam duas cadeiras e uma delas estava ocupada por um
homem de barbas grisalhas, a fumar cachimbo, exalando um cheiro doce.
Aproximei-me. O homem já havia dado por mim, mas esperou que fosse eu o
primeiro a falar. Assim que cheguei à entrada do alpendre saudei-o:
- Olá! – iniciei eu a
conversa.
- Olá! – respondeu o
homem com um ligeiro sorriso na face.
- Será que me pode
ajudar? Sabe-me dizer se a casa aqui ao lado está ocupada?
- Claro que posso. Aqui
todos nos ajudamos uns aos outros. Aquela casa agora está ocupada.
- Ah... Por alguma
daquelas pessoas que estão lá em baixo, decerto. – atirei eu.
- Não me parece. Aqui
as casas são de quem as descobre, de quem consegue caminhar até elas, de quem
as consegue encontrar.
- O que quer dizer com
isso?
- Quero dizer que
aquela casa é sua. – disse o homem, novamente com um sorriso nos lábios.
- De facto, entrei há
pouco tempo neste bosque. Fui caminhando e, quando dei por ela, tinha a casa à
minha frente. Mas, quando entrei tudo no bosque era diferente. Entrei para a
casa com uma envolvente e saí dela com outra completamente diferente. Como uma
espécie de passagem.
- Disse que está cá há
pouco tempo? Isso não sei, aqui perdemos um pouco a noção do tempo. Mas, se
confirma que a encontrou, então tenho razão, é sua. Seja bem-vindo.
- Bem-vindo? Onde é que
estamos? – perguntei eu.
- Isso não é o mais
importante. A verdadeira pergunta que deve fazer é se está bem. Sente-se em
casa?
- Realmente este lugar
é bastante agradável, sente-se uma tranquilidade que nunca havia sentido
anteriormente. Mas, desculpe a insistência, onde é que estamos?
- Estamos em casa. Esta
é a sua nova casa.
- Em casa? Então, e a
minha vida que deixei fora do bosque? Como é que podemos voltar para aquela
entrada ladeada de duas enormes árvores seculares?
- Quer voltar? Basta
recorrer às lembranças que tem dentro de si.
- Lembranças? E
fisicamente? Confesso que estou um pouco perdido. – desabafei eu.
- Não se preocupe, é
para isso que eu estou aqui, e é para isso que vai estar aqui para um próximo
vizinho seu. Mas, antes de explicar, faça-me companhia e sente-se neste cadeirão.
– convidou o homem.
O homem
antes de começar a falar voltou a acender o cachimbo, fazendo-me sinal para
utilizar a manta que estava nas costas da cadeira.
- Se olhar à sua volta
verificará que estamos num local especial. Eu falo por mim, nunca havia visto
uma paisagem tão bonita, nem nunca tinha sentido esta paz interior que nos
enche a alma. Este é lugar é a nossa casa, sempre foi, nós é que temos primeiro
uma passagem por outro lugar, até conseguirmos chegar à entrada das árvores
seculares, como tão bem batizou. Uns conseguem encontra-la na primeira
passagem, outros à segunda, e outros nas vezes que forem necessárias para que
consigam ser chamados pelo bosque. O que eu quero dizer é que quem consegue
chegar aqui, conseguiu atingir o seu propósito, e agora pode usufruir de todo
este esplendor. Quando há pouco lhe disse que não sabia há quanto tempo estava
aqui, foi porque na verdade, depois de entrarmos no bosque, há uma longa
caminhada a cumprir, é uma espécie de purificação, e só depois de estarmos completamente
preparados para esta fase é que conseguimos descortinar o nosso trilho, que por
sua vez, vais dar acesso à nossa casa. E foi o que lhe aconteceu. Depois de
encontrar a sua casa, terminou o seu processo de catarse e encontrou o lago, as
restantes casas, e os seus companheiros do bosque.
- E o que é que podemos
fazer por aqui?
- Tudo o que quisermos,
quando quisermos e como quisermos. Se estamos aqui, tudo aquilo que fizermos não
prejudicará ninguém. Vai ver que não faltará o que fazer.
- E a minha família que
eu deixei?
- Se encontrou esta
casa é porque a sua família está bem, e sabe que também está bem, onde quer que
esteja.
- Acho que já percebi.
- Já percebeu há algum
tempo, só precisava de uma confirmação, de uma voz amiga que o ouvisse, que o
acolhesse e que lhe dissesse que está tudo bem.
- Isso parece-me uma
forma muito eufemística de me dizer que morri. – disse eu sem pensar.
- Não, meu filho, não
morreste. Apenas ganhaste direito ao descanso eterno.
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