O parapeito da
varanda estava frio e ligeiramente húmido. Tirei o maço do bolso do casaco de
malha e coloquei um cigarro na boca. Apertei a roda do isqueiro e ouvi o
barulho riscado da pedra a fazer faísca, e o lume surgiu. Coloco a ponta do
cigarro no fogo e ouço as folhas secas do tabaco a começarem a arder. Dou a
primeira passa, o fumo baila na minha boca, deixando uma sensação de secura
dormente, e no fim puxo-o e travo-o na garganta. Ao meu lado tenho uma chávena
de café, que vou bebericando, e no horizonte, desvenda-se um céu soalheiro que
começa a ser coberto por nuvens cinzentas-escuras e espessas. As nuvens ordenam-se,
como se cada uma delas soubesse exatamente o seu lugar. A cada passo, o céu
outrora soalheiro, torna-se escuro e tristonho, mesmo que vagamente iluminado
por raios de um sol tímido que penetram os espaços entre as nuvens se enchiam
como nuvens de algodão doce.
As nuvens estavam
colocadas como se fossem pinceladas por um artista renascentista, pareciam-se
com uma fileira que estava a postos, mais à semelhança de uma orquestra, de
iniciar a música, faltando apenas o sinal do maestro para que as nuvens
tocassem a obra preparada. Foi ao longe que se ouviu o som forte e pesado de um
trovão, e substituindo-se ao maestro, deu o mote de partida para que do céu
caíssem as primeiras pingas, as primeiras notas vertidas numa cadência própria,
iniciando-se a sinfonia do dia. As pingas grossas começam a salpicar o
parapeito, deixando no ar o som cristalino das notas que melodiavam aquele
início de tarde. Havia uma certa suavidade no tom e na forma quando se juntavam
às restantes pingas, que numa metamorfose deixavam ser muitas e passavam a ser
uma, apenas maior.
O som pingava a
futuro, a cada passa que inalava, queimando o ar húmido que começava a
instalar-se, as pingas chocavam na pedra granítica um tom agudo e airoso, o dó
e o ré juntavam-se naquela poça de água que começava a alargar-se no parapeito,
deixando-se escorrer por uma parede cálida e com fendas de histórias que se passaram
a cada ano que passa. O cigarro está a chegar ao fim, apago-o no cinzeiro
deixando a beata de pé; oiço a chuva a continuar a cair suavemente, orquestrada
numa sinfonia própria de quem sabe que o destino está ali, mesmo ao nosso
alcance, onde só temos que olhar em frente... com os olhos da esperança.
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