segunda-feira, novembro 30, 2015

Um Passo a Compasso

O parapeito da varanda estava frio e ligeiramente húmido. Tirei o maço do bolso do casaco de malha e coloquei um cigarro na boca. Apertei a roda do isqueiro e ouvi o barulho riscado da pedra a fazer faísca, e o lume surgiu. Coloco a ponta do cigarro no fogo e ouço as folhas secas do tabaco a começarem a arder. Dou a primeira passa, o fumo baila na minha boca, deixando uma sensação de secura dormente, e no fim puxo-o e travo-o na garganta. Ao meu lado tenho uma chávena de café, que vou bebericando, e no horizonte, desvenda-se um céu soalheiro que começa a ser coberto por nuvens cinzentas-escuras e espessas. As nuvens ordenam-se, como se cada uma delas soubesse exatamente o seu lugar. A cada passo, o céu outrora soalheiro, torna-se escuro e tristonho, mesmo que vagamente iluminado por raios de um sol tímido que penetram os espaços entre as nuvens se enchiam como nuvens de algodão doce.

As nuvens estavam colocadas como se fossem pinceladas por um artista renascentista, pareciam-se com uma fileira que estava a postos, mais à semelhança de uma orquestra, de iniciar a música, faltando apenas o sinal do maestro para que as nuvens tocassem a obra preparada. Foi ao longe que se ouviu o som forte e pesado de um trovão, e substituindo-se ao maestro, deu o mote de partida para que do céu caíssem as primeiras pingas, as primeiras notas vertidas numa cadência própria, iniciando-se a sinfonia do dia. As pingas grossas começam a salpicar o parapeito, deixando no ar o som cristalino das notas que melodiavam aquele início de tarde. Havia uma certa suavidade no tom e na forma quando se juntavam às restantes pingas, que numa metamorfose deixavam ser muitas e passavam a ser uma, apenas maior.

O som pingava a futuro, a cada passa que inalava, queimando o ar húmido que começava a instalar-se, as pingas chocavam na pedra granítica um tom agudo e airoso, o dó e o ré juntavam-se naquela poça de água que começava a alargar-se no parapeito, deixando-se escorrer por uma parede cálida e com fendas de histórias que se passaram a cada ano que passa. O cigarro está a chegar ao fim, apago-o no cinzeiro deixando a beata de pé; oiço a chuva a continuar a cair suavemente, orquestrada numa sinfonia própria de quem sabe que o destino está ali, mesmo ao nosso alcance, onde só temos que olhar em frente... com os olhos da esperança.

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