sábado, maio 19, 2018

O Despertar

Acordo e vejo-me numa sala pequena, ligeiramente fria para esta altura do ano, com paredes pinceladas de branco, cobrindo cada uma das suas faces. A sala está despida de ornamentações, apenas se veem dois cadeirões negros, que chamam por mim, convidando-me a sentar para encontrar na profundidade e complexidade do meu eu, a tranquilidade de um sono interrompido.
Fecho os olhos à procura de voltar para a adormecer, mas estou demasiado irrequieto. Fecho novamente os olhos e esforço-me por voltar, mas apenas consigo ter uma imagem do meu corpo a dormir, tranquilamente, enquanto o meu cérebro tenta processar toda aquela situação. Estarei a dormir? Estarei a sonhar? Onde estou?
Sento-me no primeiro cadeirão de pele que conforta o peso do meu corpo que poisou nele e quietou, relaxando ao compasso de um ralenti ajustado para diminuir a agitação do momento. Respiro fundo à procura de uma explicação racional, mas apenas consigo focar-me no cadeirão da frente, uma espécie de complemento do outro cadeirão, geometricamente colocados um em frente ao outro, formando um círculo fechado que se estica, sem deixar uma brecha para uma fugida. Os cadeirões mostram sinais de uso, há marcas na pele que circundam a meia lua onde apoiamos as costas, e onde termina uma marca num cadeirão, começa no outro, como linhas que se unem.
Desistindo de procurar voltar, começo a apreciar aquela sala, tudo nela parece não fazer sentido, o cadeirão que me chamou está de frente para a junta de duas paredes, a da direita está pintada com lágrima, dando um aspeto rugoso, enquanto a da esquerda é simplesmente lisa. Há dois cadeirões que se unem e há duas paredes de uma mesma sala distintas. O que parece ser um espaço sem sentido começa a transformar-se num enigma, onde a sua descoberta se transformará na chave de todo este mistério.
Olho em volta e percebo que já são horas, já é tempo de fazer valer os passos de uma vida que não se quer vivida presa em liberdade. Observo tudo novamente e percebo que o cadeirão da frente fita-me nos olhos, desafiando-me a procurar a saída daquele círculo ovalizado. Tento levantar-me para pensar melhor, mas a minha tentativa tornou-se infrutífera, estou preso.
Ao longe ouço o toque de um relógio de igreja, é sinal que o tempo ainda passa e eu continuo aqui sentado, sem fazer ideia de como sair. Cada vez sinto-me mais inquieto, remexo-me com vigor, cada vez mais irritado, chegando mesmo a roçar o medo daquela realidade paralela. Noto que a cada tentativa os cadeirões ficam com mais marcas, umas mais brandas, outras mais marcadas, dependendo da intensidade da minha tentativa embrutecida em sair daquele cadeirão e daquela sala. Fecho novamente os olhos, desta vez não procuro o sono, procuro apenas descansar, deixar o corpo e a mente relaxarem, na esperança que a racionalidade me traga a solução daquele puzzle.
O sino voltou a tocar, com mais vigor, não tendo conseguido contar os toques que me indicariam as horas, mas seria certamente quase de manhã, pois o sol entrava timidamente pelas frinchas da janela alumiando a sala, onde pude ver que o branco era mesmo cálido, bonito e fresco como a vida deve ser. Naquele momento, senti uma estranha tranquilidade, como se já não quisesse sair dali. Respirei fundo, inspirando a brisa fresca que permanecia no ar, olhei em volta e tudo me parecia diferente, tudo me transmitia calma e serenidade. Sentia-me cada vez mais confortável naquele cadeirão, no entanto, algo mudou, os cadeirões já não estavam geometricamente colocados em frente ao outro, já não faziam um círculo fechado, estavam ligeiramente deslocados um do outro. Procurei calmamente levantar-me, e no cadeirão onde me sentei senti nas costas a iniciar-se mais uma linha, desta vez ténue que percorreu o cadeirão, e na saída embateu na parede de lágrimas, percorrendo-a até à parede lisa, ganhou espessura para que no momento em a percorria uma porta surgisse do nada... a porta da saída.
Fechei os olhos para saborear aquele momento, para ganhar coragem para sair daquele espaço incógnito, para sentir novamente a serenidade daquele lugar, e quando os abri eram horas de me levantar, o despertador acabara de tocar.

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