O Outono principia-se com uns chuviscos que timidamente se
intrometem no ar soalheiro que nos escapa, hidratando-nos a alma da secura da
efemeridade do verão. Olho em frente e continuo a percorrer o caminho tentando
passar pelos pingos que caem cada vez mais grossos, tornando cada vez mais
difícil calcorrear a estrada padronizada por uma calçada portuguesa gasta e
pouco cuidada, rodeada de buracos cheios de um vazio a cheirar a terra húmida.
Naquela vista, o trilho vislumbra-se como um puzzle enorme, com peças que se
perderam ao longo do tempo. Neste trajeto tortuoso que procuro cumprir sem
cair, encontro-te… foi com a candura da tua existência que deixei de correr e
parei, tentavas preencher um desses espaços. Olhei em volta e não descortinei
outra igual a ti; cheguei-me mais próximo e deixei-me deslumbrar com as tuas
pétalas espessas, com uma leve penugem, provocando-me um desejo incontrolável de
as acariciar e sentir o aveludado singelo, sentindo a cada toque, a cada
carícia que o meu corpo estava a ser protegido dos pingos que continuam a cair.
A chuva
miudinha abençoa este dia que marca o início da nova estação, os pingos já não
me incomodam e já não tenho pressa para percorrer esta estrada, ela está parada
e eu posso continuar mais tarde. Sento-me no chão calcetado por pedras frias e
húmidas, cruzo as pernas à chinês como
uma criança e com as mãos a segurar-me o queixo contemplo-te, observando
cuidadosamente a tua pureza, desde a forma como frondesceste do meio das pedras
que calcam esta terra húmida esquecida, envergando um corpo verde-vivo, culminando
na brancura na forma de coração que alumia este pedaço do caminho que outrora
esteve preso em liberdade na escuridão que a luta pelo esquecimento nos
provoca.
Não corria
nem uma pequena brisa, não obstante os pingos que caiam numa cadência inerte e
mecânica. A contemplação de uma flor só por si não seria estranha se não
estivesse sentado à chuva numa calçada molhada e fria, no entanto, todo este
cenário faz-me mais sentido a cada instante que passa. Este lugar parece-me
importante para ti, podias ter brotado em qualquer um dos muitos outros lugares
vazios que preenchem este percurso, mas não o fizeste; podias ter escolhido
permanecer escondida, mas deste-te a ser sentida. Não sei se me procuraste, ou se
fui eu que te encontrei, importa agora que estou aqui sentado a olhar para ti,
a sentir-te, a sentir a tua pulsação que, como um coração, bate forte, cresce e
volta à sua posição natural, e neste ciclo de pulsações atrás de pulsações
sinto um espaço esquecido no meu coração a acordar. A cada batida do teu
crescimento, sinto o espaço de terra castanho-escuro do meu coração a desabrochar
uma rosa branca que alumia o meu amor por ti.
Levantei-me e continuo a
percorrer este trilho, agora com um sorriso nos lábios, imaginando que todos
aqueles lugares vazios e esquecidos no tempo podem ser lembrados a cada momento
por singelas rosas brancas.
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