UMA
FOTO, UMA LEITURA
Fotografia: António Tedim (http://antoniotedim.blogspot.com)
Texto:
Rui Fontes Santos (http://cognitare.blogspot.com)
Hoje e Sempre, o Passado
As águas paradas desta lagoa que ladeiam
as frescas terras húmidas polvilhadas com um musgo verde vivo, iniciam o
caminho para o bosque alumiado pela luz forte do Sol. Nessa águas calmas, reluz
o reflexo da imagem dos caminhos da vida que lhes penetra e que as alimenta. A
paisagem surge-nos imbuída de troncos fortes, encorpados e velhos que contornam
as águas cintilantes como muralhas protetoras. Em cada tronco surgem ramos de
vários tamanhos, neles brotam ramalhetes, numa transformação constante, onde, à
medida que o tempo passa, os ramos se tornam também eles troncos e os
ramalhetes dão origem a ramos, tornando-se imperceptível quando começou um e
acabou outro.
Hoje, há um ramo forte e vigoroso que me
encara no espelho aguado que me rodeia, em mim brotou um ramalhete que cresce a
cada dia, um ramalhete que fortalece a sua fragilidade numa dependência
viciante. Hoje, sou um ramo quando olho nos teus olhos cansados, nessa dança
contra o sono, pestanejando lentamente as pálpebras até te deixares adormecer.
Nesse momento, nesse ínfimo hiato de tempo,
quando te aconchego nos meus braços e te olho, como só um ramo consegue
olhar, lembrando-me que outrora, também eu fui um ramalhete que lutou contra o
sono, que se deixou vencer, adormecendo na segurança do no colo do seu ramo. É
nessa nostalgia que, entre o limbo do sono e da realidade, num ímpeto, numa
incapacidade de raciocinar, levado pela dor ardente da saudade, dou um salto
desenfreado para aquelas águas paradas no tempo, agitando-as, fazendo-as sentir
o batimento incontrolável do meu coração, provocando-lhes um movimento ondular
que revolta a lagoa, que a reaviva, que transborda as fronteiras da muralha,
permitindo-me viajar submerso naquele líquido frígido, cada vez mais gélido à
medida que chego mais perto das profundezas da saudade, lutando contra o tempo
na procura do tronco que me brotou e que se encontra debaixo daquela linha.
Nado, incessantemente, à procura do ontem, à procura do abraço e, tal como te
faço a ti, à procura do meu cafuné
para adormecer na calma dos anjos, na luta contra o sono, nos braços de quem
amo.
O regresso à superfície foi lento e
longo, mas tranquilo. Nadei até ao meu tronco, comecei a subi-lo com o corpo a
escorrer água, molhando-o com a mesma suavidade com que me ia secando. Chegado
ao meu ramo, olhei em volta, observei a muralha que nos protegia, abracei-o com
força e, numa simbiose perfeita, senti o meu corpo a ser absorvido numa
metamorfose natural, calma e tranquilizante. Era de novo um ramo, um ramo de
outro ramo, de outros ramos, um ramo de um tronco que outrora foi ramo.
Voltaste a brotar e voltei a ver-te crescer. Um pequeno ramalhete fino, frágil
e verde que, a cada dia, se vai transformando. Olho-te com orgulho, vejo-te a
crescer, a ganhar estrutura, a ganhar força, a caminhar pela primeira vez
sozinha. Na tranquilidade do ar que envolve a lagoa, começo a lutar contra o
sono, foi um dia intenso. Agora quero apenas olhar para ti, ver-te crescer e
sentir o cafuné húmido das águas da lagoa.
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