UMA FOTO, UMA LEITURA
A Janela
Olho e sinto-te como outrora.
Imagino-te a subires estas escadas debaixo de um guarda-chuva velho abrigando-te
destas nuvens que choram incessantemente as lágrimas grossas e espessas que se
colam solidariamente a esta janela, em forma de gotas, perdidas, a deambularem
entre os caminhos indefinidos do vazio frio e gélido desta superfície húmida.
Olho para cada uma delas sem conseguir encontrar o destino que procuram, ora
escorregam pela direita, ora se perdem pela esquerda. Há apenas um elemento
comum, a falta de rumo, nesta existência que terminará em breve quando
embaterem no fundo do vidro, e aí, juntas, formarão um único e comum pedaço de
água. Olho e sinto-te com saudade, o aperto no coração provoca o início de uma
lágrima salgada que também ela nascerá nestes olhos cansados e encontrará poiso
nas rugas da minha cara e escorrerá perdida à procura do nada.
Recordo-te
a subires estas escadas escuras e gastas, com esforço e cuidado para não
caíres, com especial atenção nestes dias de chuva, davas passos pequenos, e eu,
olhava-te desta janela de peito apertado de preocupação. As gotas continuam a
valsar sem rumo, sem consciência de que estão a cair, de que em breve perderão
a sua liberdade. Umas descem precipitadamente como se não houvesse amanhã,
outras vagueiam a demorar o seu destino e, uma delas desce na vertical, na rebeldia
de todas as outras, fá-lo lentamente, como se controlasse a velocidade da sua
queda, como se controlasse o seu destino, como se controlasse o meu olhar
fixando-o na sua viagem, ditando também ela o rumo da lágrima que nasceu
salgada e que desce em uníssono, traçando a sua passagem com um ardume por cada
poro desta pele fina, escura e gasta cheia de caminhos perdidos.
Vivo-te
no limbo destas lembranças que se misturam na realidade quimérica que me
consola neste apartamento escuro, vazio e sem vida. Posso abdicar de tudo que
resta neste cúbiculo, menos desta janela, menos desta montra, onde tu estás, lá
em baixo de baixo de um guarda-chuva, a subires paulatinamente as escadas com a
saca das compras, a parares para recuperares fôlego, a olhares para o cimo da
escadaria, a medires quanto falta, e eu, nesta janela, ficava na imponência de
quem não pode ajudar, a ver-te, com a força que só as mulheres têm a venceres
mais uma batalha.
A
gota de água que caiu do céu, num choro de uma nuvem, permanece na sua
velocidade cruzeiro a percorrer a janela, numa carícia deliciosamente demorada
e suave, a acompanhar a lágrima que escorre na minha face cada vez mais
ardente, cada vez mais saudosa. Olho para as escadas e continuo a sentir-te,
cada vez mais intensamente, nesta dor dilacerante fecho os olhos com força,
abro-os novamente, a gota está a chegar ao seu destino, mas no instante final
para...permanece uns segundos parada e cai ao mesmo tempo que a lágrima que
marcou a minha cara num ardume como outrora o poeta disse, “amor é fogo que
arde sem se ver”.
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