UMA FOTO, UMA LEITURA
No alto deste monte verde fresco e
frondescente, a casa fumegava pela chaminé o fumo da lareira em sincronia com cada inalação que saboreava com deleite no meu
cachimbo, pairando no ar do alpendre uma nuvem com aroma doce, quase tão acolhedor como o calor que provinha
do fogo. A passagem do inverno para a primavera provoca na natureza um período de ajuste, tornando os dias
incaracterísticos,
num limbo inebriante onde o sol começa a sua batalha para afastar o frio, cedendo delicada e alternadamente,
até que, de forma gradual, torna a sua
presença imponente e única.
A cadeira de baloiço de madeira velha - que tanto ansiei
por ela - embala-me no ócio,
de cachimbo na boca, pernas cobertas com a minha manta aos quadrados, e uma
grafonola a projetar a voz inconfundível de Cole Porter que resiste no tempo e às crueldades que a agulha faz sempre
que se passeia pelo LP, já
não bastasse o ruído de fundo original do disco. Mesmo
neste ambiente e cenário
edénico, ainda tenho a tentação de olhar o horizonte para ver o sol
a pôr-se, ainda vai alto, sobre a cidade
- aquela cidade que me deixou partir para viver a vida depois da vida - como
uma espécie de dependência a que ainda não consigo resistir. Rapidamente sou
chamado para a minha ansiada realidade com o soar do apito da chaleira, a água ferveu. Nos finais de tarde,
gostamos de ficar sentados neste nosso ninho a apreciar o vale de soberba
variedade de árvores
que agora começam a
desabrochar, lentamente, a gozar cada folha nova que renasce, cada flor que dá cor, depois da nudez do inverno. O
chá chega, a chávena quente deixa escapar um vapor
que acaricia a minha cara enquanto beberico o roibos de olhos colados no olhar da minha mulher que sorri, naquele
momento mágico em
que o mundo somos só
nós os dois, eu sou só dela e ela é só minha no meio do nada que nos enche de felicidade. Cole
Porter parece que percebe a intimidade daquele momento e começa a cantar a balada I Am In Love, numa serenata improvisada,
aproveitada para declararmos em silêncio o nosso amor.
Terminamos o chá, deixo o cachimbo, retiro a manta
das pernas, levanto-me e estendo a mão à
minha outra parte para dançarmos
Lets Do It Lets Fall in Love. A música termina e continuamos agarrados
a dançar, com os olhos a brilhar, ao som
daquela música
que só se ouve pelo coração.
Decidimos aproveitar o que resta
daquele dia em que o Sol não
cedeu para descermos do alto do monte, para um passeio de jovens apaixonados,
até ao rio que fica junto ao princípio do vale, de mãos dadas fomos caminhando pela
margem, os peixes e as espécies
verdes bailavam na água,
o cheiro fresco e limpo da verdura do chão, que delicadamente pisávamos, limpava a nossa alma complementada com a harmonia
que preenchia aquele espaço.
A meio, paramos e sentamo-nos na relva. Coloquei a manta aos quadrados sobre as
nossas pernas e ficamos a apreciar a água do rio que passava sem parar.
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