domingo, dezembro 11, 2011

À Espera da Noite


O sol nasceu radiante e lentamente desvaneceu, cedo demais, no decorrer deste dia que é igual a todos os outros, iniciando nos presentes aquilo que parece ser um desconforto indiferente, contínuo e habitual.

Encostadas naquelas paredes de pedra granítica, frias e agrestes, marcadas pelas linhas brancas, ramificações de uma vida, cada uma das habitantes de mais um local, perdido no espaço e no tempo, do nosso Portugal rural, vive o seu dia. Se a primeira olha o horizonte sem nenhuma expectativa que não seja a de esperar pelo dia de amanhã, voltar a sentar-se naquele banco de madeira gasto, esperar que o sol volte a fugir e, de mãos agarradas ao pau que lhe faz companhia, esperar por outro amanhã; a segunda, de lenço na cabeça e olhos postos no chão, parece recuperar fôlego para mais um dia, que começará bem cedo a tratar dos animais e da horta, para mais tarde, quando o sol se for, voltar a este largo, colocar novamente o seu olhar no chão e recuperar forças.

As duas mulheres que povoam, sozinhas, o largo daquela aldeia, no mesmo tempo e local, induzem diferentes estados de alma. Uma olha em frente, de cabeça erguida, porque ainda aqui está, ainda é tudo o que foi, só o deixará de ser quando o sol se puser e aquele banco de madeira que a acompanha estiver vazio. Hoje, ainda ali está, a olhar em frente, a viver pelas memórias de uma vida que tal como o sol nasce fulgurante e se põe fraco, hoje,  pode estar a relembrar o dia em que a deixaram conduzir as cabras pela primeira vez, a sua saudosa primeira pastagem, marcada por aquele momento onde se deixou levar pela luxúria, deitando-se debaixo daquela árvore grande que produzia uma sombra que lhe cobria todo o seu corpo jovem e firme e, sonhou tudo o que uma rapariga poderia sonhar...até que as cabras sinalizassem, com os guinchos apeados nos pescoços, que era tempo de voltar para a realidade. A outra, que também ainda ali está, centra o seu olhar no chão, vê a calçada do largo, lembra nostalgicamente o momento em que os homens a colocaram, pedra por pedra, a festa que se seguiu e o orgulho da novidade que se prolongou por tempo indefinido, sem que essa lembrança lhe provoque qualquer reação que não seja...continuar viva, cansada e cabisbaixa.

Naquele largo de uma aldeia perdida nas Terras do Barroso, estão, hoje, duas senhoras, que tanto há o que as distingue como aquilo que as une. Cada uma delas vive o seu dia, mas de certo que aquelas mãos juntas, a esfregarem-se lentamente, o negro das roupas e o cansaço dos corpos lembram em uníssono os dias de sol radiante em que aquelas terras, agora perdidas, estavam cheias de pessoas, havia mais vida para além daquele esperar por mais um dia igual a todos os seguintes em que o sol se põe e parte, sincronizado com a chegada da noite escura, fria e sozinha.

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