terça-feira, dezembro 25, 2018

"Nas tuas preces não supliques por cargas mais leves, mas sim por ombros mais fortes"


Este texto dedico-o a um grande amigo, que me ensina todos os dias a ser uma pessoa melhor, percebendo a vida pelo seu lado mais bonito, mais positivo e sempre com as costas direitas e queixo levantado.

As horas fogem-nos numa espiral de um tempo que nos cerca e nos envolve em todos os seus movimentos. No relógio passam minutos roubados que se evaporam, que se perdem, ou que simplesmente fogem ao cumprimento da métrica física dos segundos. A procura constante deste tempo que nos escapa por entre os dedos, que nos desaparece a cada instante, promove o nosso estado de perenidade, quer pela incapacidade de o controlarmos, de podermos respirar sem perder mais um pedaço de um segundo no instante de um sopro que se expira para o coração bater, forte, acelerado e contínuo; quer pela perceção crua e dura de que não somos nem omnipresentes, nem omnipotentes, apenas seres em que vivemos instantes, que passam, que simplesmente seguem na corrente da vida.
A sala onde me encontro está repleta de pessoas, observo-as, analiso cada gesto, da mesma forma quando me vejo ao espelho, observo cada movimento, cada sinal dos seus gestos nervosos da rotina do dia a dia, percebendo aqueles que já deram conta da realidade inevitável do desencontro do tempo e da disponibilidade, e nesses, o sabor amargo de quem sabe o que está a acontecer perdura mais forte no palato do seu semblante.
Ainda que o meu telemóvel continue a tocar vezes sem conta, ainda que a bateria do telemóvel se vá esgotando numa cadência assustadora, ainda que a minha voz que se iniciou vigorosa esteja mais próxima de um sopro de exaustão, continuo e persisto numa resiliência desgastada a escrever nas teclas do meu computador que vão ficando cada vez mais presas, deixando a fluidez de outrora esquecida nos instantes roubados. Olho em volta, todas as premissas indicam um desfecho, no entanto, decido que sou eu quem domina os atos desta peça de teatro que é a vida, decido que a caixa de correio eletrónico que baila ao som de uma batida forte e constante de um bombo vai tocar a música que eu quiser, pois enquanto houver forças no querer, e o desejo se mantiver intocável, o primeiro comandará a marcha da melodia que nos sopra aos ouvidos: “Nas tuas preces não supliques por cargas mais leves, mas sim por ombros mais fortes”.
Os olhos ardem-me, o meu corpo que quero hirto e de costas direitas está dorido, mas a minha mente mantém-se focada no desejo de ultrapassar todas as adversidades, e nesse momento, fecho os olhos por uns instantes, uns milésimos de segundos preciosos, onde vejo que está tudo escuro, não vislumbro qualquer luminosidade, apenas um manto negro que se vai descobrindo até aparecerem um conjunto de imagens desconexas a rodearem-me a cabeça, e nesse preciso momento, inspiro e deixo o ar fluir lentamente, e à medida que o ar sai, a minha alma enche-se com a força do pensamento positivo. 
Abro os olhos, passaram apenas uns instantes que não chegaram a perfazer um segundo, analiso o que me rodeia, levanto-me e percorro a sala com o olhar fixo e levantado, sentindo uma luminosidade que se passeia sobre mim, dando-me força nestes ombros que estavam a vacilar, de modo a que consiga carregar o que tiver que carregar para que o meu querer consiga concretizar os meus desejos.

sábado, maio 19, 2018

O Despertar

Acordo e vejo-me numa sala pequena, ligeiramente fria para esta altura do ano, com paredes pinceladas de branco, cobrindo cada uma das suas faces. A sala está despida de ornamentações, apenas se veem dois cadeirões negros, que chamam por mim, convidando-me a sentar para encontrar na profundidade e complexidade do meu eu, a tranquilidade de um sono interrompido.
Fecho os olhos à procura de voltar para a adormecer, mas estou demasiado irrequieto. Fecho novamente os olhos e esforço-me por voltar, mas apenas consigo ter uma imagem do meu corpo a dormir, tranquilamente, enquanto o meu cérebro tenta processar toda aquela situação. Estarei a dormir? Estarei a sonhar? Onde estou?
Sento-me no primeiro cadeirão de pele que conforta o peso do meu corpo que poisou nele e quietou, relaxando ao compasso de um ralenti ajustado para diminuir a agitação do momento. Respiro fundo à procura de uma explicação racional, mas apenas consigo focar-me no cadeirão da frente, uma espécie de complemento do outro cadeirão, geometricamente colocados um em frente ao outro, formando um círculo fechado que se estica, sem deixar uma brecha para uma fugida. Os cadeirões mostram sinais de uso, há marcas na pele que circundam a meia lua onde apoiamos as costas, e onde termina uma marca num cadeirão, começa no outro, como linhas que se unem.
Desistindo de procurar voltar, começo a apreciar aquela sala, tudo nela parece não fazer sentido, o cadeirão que me chamou está de frente para a junta de duas paredes, a da direita está pintada com lágrima, dando um aspeto rugoso, enquanto a da esquerda é simplesmente lisa. Há dois cadeirões que se unem e há duas paredes de uma mesma sala distintas. O que parece ser um espaço sem sentido começa a transformar-se num enigma, onde a sua descoberta se transformará na chave de todo este mistério.
Olho em volta e percebo que já são horas, já é tempo de fazer valer os passos de uma vida que não se quer vivida presa em liberdade. Observo tudo novamente e percebo que o cadeirão da frente fita-me nos olhos, desafiando-me a procurar a saída daquele círculo ovalizado. Tento levantar-me para pensar melhor, mas a minha tentativa tornou-se infrutífera, estou preso.
Ao longe ouço o toque de um relógio de igreja, é sinal que o tempo ainda passa e eu continuo aqui sentado, sem fazer ideia de como sair. Cada vez sinto-me mais inquieto, remexo-me com vigor, cada vez mais irritado, chegando mesmo a roçar o medo daquela realidade paralela. Noto que a cada tentativa os cadeirões ficam com mais marcas, umas mais brandas, outras mais marcadas, dependendo da intensidade da minha tentativa embrutecida em sair daquele cadeirão e daquela sala. Fecho novamente os olhos, desta vez não procuro o sono, procuro apenas descansar, deixar o corpo e a mente relaxarem, na esperança que a racionalidade me traga a solução daquele puzzle.
O sino voltou a tocar, com mais vigor, não tendo conseguido contar os toques que me indicariam as horas, mas seria certamente quase de manhã, pois o sol entrava timidamente pelas frinchas da janela alumiando a sala, onde pude ver que o branco era mesmo cálido, bonito e fresco como a vida deve ser. Naquele momento, senti uma estranha tranquilidade, como se já não quisesse sair dali. Respirei fundo, inspirando a brisa fresca que permanecia no ar, olhei em volta e tudo me parecia diferente, tudo me transmitia calma e serenidade. Sentia-me cada vez mais confortável naquele cadeirão, no entanto, algo mudou, os cadeirões já não estavam geometricamente colocados em frente ao outro, já não faziam um círculo fechado, estavam ligeiramente deslocados um do outro. Procurei calmamente levantar-me, e no cadeirão onde me sentei senti nas costas a iniciar-se mais uma linha, desta vez ténue que percorreu o cadeirão, e na saída embateu na parede de lágrimas, percorrendo-a até à parede lisa, ganhou espessura para que no momento em a percorria uma porta surgisse do nada... a porta da saída.
Fechei os olhos para saborear aquele momento, para ganhar coragem para sair daquele espaço incógnito, para sentir novamente a serenidade daquele lugar, e quando os abri eram horas de me levantar, o despertador acabara de tocar.

A Menina de Nariz Rosado

Nota de Autor: Este pequeno conto foi escrito a pedido da minha filha há 3 anos. Na altura, quando me sugeriu o Título, eu não sabia como po...